SOUZA & CRUZ

— Sinto saudades dele.
— Há quanto tempo?
— Alguns meses. Ainda me lembro do seu cheiro, lembro do seu gosto amargo que abolia quaisquer outros sabores como querendo dominar minha língua. Era só dele.
— Dominou sua vida também, não foi?
— De certa forma. Quando estávamos juntos nós eramos o incômodo principal da vida alheia, estar com ele parecia não existir guerras religiosas, crises econômicas e a mortalidade era unicamente minha. Tínhamos locais próprios para o nosso tipo.
— O separatismo não incomodava?
— Não. Eu gostava: me fazia sentir importante e às vezes temido. Ele me vestia arrogância, uma sincera elegância e jovialidade, mesmo quando me servia à idade. Não havia incômodo, era meu prazer póstumo.
— Percebo resquícios visíveis de apego seu.
— Eu sei e confesso que voltaria sem repensar a proposta. Ele ainda está aqui dentro, não em cinzas, em essência. Quantos anos costumam dizer? Dez, vinte anos para se recuperar? Pois bem, tenho tempo para adoecer novamente.
— Ainda que tire a saúde?
— Cederia à enfermidade do corpo e cultivaria a sanidade. É íntegro o meu desejo, é razão de ser. Proíbo disciplina que se estende à fronteira do meu ser.
— Compreendo sua paixão, consciência não lhe falta. Ora, vá, seja egoísta!
— Devo devolver eu de mim. Então acenderia, tragaria entre meus lábios sedentos e dançaríamos pela fumaça embaixo das marquises, atravessaríamos o boteco até o outro lado onde residem os boêmios, e, então, nos dissiparíamos no ar feito ideia que se esquece. Daríamos passos certeiros e inevitáveis, sei onde iríamos acabar.
— Aceita um cigarro?